Três dias em Alter do Chão, no Pará, é tempo suficiente para desfrutar, descansar e também para chegar a algumas conclusões. E uma delas, infelizmente, é que o balneário ainda não dispõe da necessária infraestrutura para receber bem aos turistas. O lugar, contudo, é tão extraordinário que não resta dúvida de que não tardará muito e as mudanças irão chegar. Resta torcer para que as autoridades locais saibam incluir a comunidade neste processo. Ao contrário de outros destinos turísticos já consolidados cujos legítimos donos acabaram por se tornar mera mão-de-obra barata.
Esta, aliás, é a primeira vez que visito um lugar como este - uma verdadeira mina de ouro já descoberta pelos gringos - onde tudo ainda está por fazer. A exemplo de semelhantes destinos turísticos (Pipa, Paraty, Maresias, etc), me parece inevitável que se os moradores de Alter não se prepararem e se anteciparem às oportunidades, empreendedores vindos de fora o farão. Sobretudo os paulistanos, uma gente que, talvez pela experiência direta com o caos e o stress, se tornou especialista em descobrir locais paradisíacos onde se fixar e, com muito trabalho, ganhar dinheiro.
E não estou falando de grandes empreendimentos hoteleiros, mas sim de serviços simples, porém, regulares. Conversei com jovens que reduziram sua estadia no balneário por, após três noites, não aguentar mais dar voltinhas na praça. E eis o paradigma: se opções de lazer noturno dependem e surgirão espontâneamente com o aumento do afluxo de turistas, este depende, em parte, de que os que já visitam o local saiam satisfeitos com o que já existe. É isso que gera a propaganda boca a boca mais eficiente que qualquer campanha governamental.
Dito isso, elenco alguns dos aspectos negativos que mais me chamaram a atenção. Começando pelo início, ou seja, pelo aeroporto de Santarém. Instalado a meros 35 quilômetros de Alter do Chão, é a forma mais fácil e rápida de chegar ao balneário. E se é perto e fácil, a lógica do turista é que seja barato. Errado. O aeroporto fica no meio do nada e as tarifas, tabeladas, custam mais caro que em aeroportos de grandes capitais. Há ônibus para o centro de Santarém, mas, segundo o funcionário do balcão de informações, ele só passa de duas em duas horas (não sei se esta informação está correta porque, na volta, o ônibus saia de Alter a cada uma hora, uma hora e dez minutos). No meu caso, quando cheguei, ele havia passado há cinco minutos.
Esperar por quase duas horas estando a meros 25 minutos da praia, estava fora de cogitação. Após muita negociação, consegui um taxista que me levou até o albergue, em Alter, por R$ 60, cinco reais a menos do que a frota licenciada cobraria para me levar até a rodoviária, em Santarém, onde eu ainda teria que apanhar um ônibus que levaria cerca de uma hora até meu destino final. Senti minha ideologia mochileira sendo ferida.
Já em Alter, graças à atenção da Samia e do Angel, donos do
Albergue da Floresta, não tive dificuldades para encontrar onde almoçar. Os dois sabem o público com que estão lidando. É gente que se dispõe a conhecer novos lugares e abre mão do luxo para estar mais próximo da realidade local e fazer amizade com pessoas vindas dos mais diversos países. Para isso, gastam, mas faz parte de sua ideologia não pagar além do que considerem justo. Tanto o albergue quanto o Restaurante Parada Obrigatória (onde um excelente PF sai a míseros R$ 10), portanto, não são alvo destas considerações. Apesar de eu achar que, já que outros não querem ou não fazem satisfatoriamente, Samia e Angel demoraram para oferecer a quem queira a oportunidade de ter um barzinho que sirva café da manhã no próprio albergue e que funcione a noite. Além de permitir que os hóspedes se reúnam, tornaria desnecessária a caminhada noturna até a pracinha apenas para se deparar com quase tudo fechado.
Outra coisa que me pareceu negativa é que os estabelecimentos que funcionam na vila, ou seja, em torno da praça central, não prezam pela regularidade. Num dia eu chegava e o lugar só abriria mais tarde ou havia fechado mais cedo. No outro, sequer funcionava (tudo bem que os funcionários do XBom tenham direito a uma folga, mas fechar numa quarta-feira sendo a única ou melhor lanchonete da cidade é uma boa forma de deixar de ganhar dinheiro. Por que não escalonar as folgas e, se necessário, contratar uma funcionária folguista? Na última quarta, só eu havia combinado de ir comer com outras três pessoas).
Falta também um posto de informações turísticas. E olha que isso é o mínimo, algo, digamos, passivo. Porque falta também alguém com a iniciativa de ir ao encontro do turista. Na quarta-feira, estava na praia quando aportou um destes grandes navios típicos da região. Um grupo de doze senhores e senhoras desceu disposto a esticar as pernas, conhecer a cidade e gastar. Nem a equipe do barco e muito menos alguém do balneário se dispôs a orientá-los. Caminharam um pouco pela areia e se sentaram em uma pracinha abandonada, a menos de cinco minutos do centro da vila. E se não fosse por mim, dali teriam voltado ao barco. Acompanhei-os até o mercadinho respondendo, do alto da minha experiência de três dias no lugar, às muitas perguntas sobre o Sairé, sobre as praias mais próximas, hotéis, etc, etc Sei que estava previsto que, no dia seguinte, o barco os levaria a uma "bela praia próxima", só não sei a qual e se isso traria algum benefício financeiro para os comerciantes de Alter. Agora, pense bem. Até na estrada postos de gasolina no meio do nada fazem acordos com as empresas de ônibus.
Ao responder sobre o Sairé, me dei conta de quão importante seria um museu onde o turista pudesse conhecer a história da festa religiosa. Afinal, estamos falando de um evento que, segundo especialistas, tem 300 anos de tradição. Perguntei a respeito. Disseram-me que já houve, mas que está desativado. Vi uma única plaquinha escondida indicando o caminho, mas não o encontrei. E no mapa que apanhei, não havia qualquer menção a um museu do sairé.
Soube que Alter tem um administrador local, já que a prefeitura de Santarém está relativamente distante (não o bastante para justificar a falta de iniciativa para qualificar o receptivo turístico). Soube também que o Senac oferece cursos gratuitos à comunidade. Ainda assim, diante do forte apelo das praias fluviais em plena Amazônia e das recentes publicidades feitas pela Embratur, Alter do Chão ainda tem muito o que avançar.