quarta-feira, fevereiro 02, 2011

Lixo Extraordinário

"O momento em que uma coisa se transforma em outra é o mais bonito"

É sempre bom lembrar que quando afirmamos gostar, detestar ou simplesmente não compreender uma obra qualquer estamos falando muito mais sobre nós mesmos do que sobre o objeto em si. Por isso, quando declaro que o documentário Lixo Extraordinário é comovente, estou referendando minha experiência junto à Associação dos Moradores de Cortiços do Centro de Santos (SP), ao Sindicato dos Servidores Públicos do Distrito Federal e minha própria trajetória pessoal.

A garota de apenas 17 anos e já mãe de dois filhos. A cozinheira dos restos encontrados no lixo. O catador que, a partir dos livros encontrados no lixo, sonha com uma biblioteca na sede da associação de trabalhadores. O jovem que vê na organização dos catadores a única maneira de alcançar, coletivamente, a redenção, que, em última instância, pode se dar no próprio lixão. Há milhares de brasileiros como estes espalhados por todo o país, buscando dias melhores para si e para os seus.

Indicado ao Oscar deste ano, o documentário - uma coprodução Brasil/Reino Unido - dirigido por Lucy Walker e co-dirigido por João Jardim e Karen Harley acompanha a execução de um projeto artístico desenvolvido pelo artista plástico brasileiro Vik Muniz com catadores de material reciclável que trabalham no aterro sanitário de Gramacho, em Duque de Caxias (RJ) - anunciado como o maior do mundo e cenário de outro premiado documentário, Estamira, de 2004. Gramacho, no filme, é retratada quase como que uma nova Serra Pelada, com os catadores garimpando o material mais valorizado em meio a uma "cidade de lixo".

Vik é o cara conhecido por reproduzir obras famosas como Mona Lisa e a Última Ceia usando chocolate, geléia e açúcar no lugar de tintas. No projeto filmado ao longo de três anos para o documentário, ele fotografa alguns das centenas de pessoas que tiram seu sustento do lixão, amplia as melhores imagens e, com a ajuda dos próprios catadores, as reproduz usando os dejetos recolhidos no aterro (idéia copiada em recente novela da Rede Globo). O produto final é então fotografado, emoldurado e vendido por alguns milhares de dólares. Diga-se que, hoje, Vik é um dos artistas brasileiros mais valorizados no exterior.

Mas a força do documentário está, como de costume, na história dos desafortunados, dos que vivem à margem, e na coragem de Vik de se expor ao tomar consciência do quanto seu conceito inicial é superficial e vai ganhando consistência graças à convivência com seus "modelos". No começo do filme, o próprio artista afirma que Gramacho é o fim da linha, o lugar para onde vai "tudo que não presta", inclusive "pessoas". Ao final, Vik aparece convencido de que ao menos parte daquelas pessoas é forte o bastante para buscar um outro destino. Ao participarem da execução da obra de Vik, os trabalhadores percebem que, mesmo em meio às adversidades, executam uma atividade importantíssima.
 
Apesar de que 'quem gosta de lixo é intelectual, pois pobre gosta mesmo é de luxo', vale muito a pena ver o filme que, no fundo, não trata da pobreza, mas sim da Arte e da Vida, sem dicotomias. E com a ajuda de uma belíssima trilha assinada pelo Moby.
 

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