domingo, novembro 20, 2011

"Há viagens sem regresso nem repetição"


Narrativa breve (um "quase romance", conforme indicado pelo próprio autor) e autobiográfica, No Teu Deserto é um dos mais recentes livros do jornalista português Miguel Sousa Tavares. Como esta é a primeira obra que li do autor, fui pesquisar na internet e notei que a história dividiu opiniões. Achei desde os que se disseram decepcionados até os que consideraram o livro um dos melhores de Tavares. Eu, particulamente, gostei e me animei a ler outras coisas dele.

Para quem, como eu, sabe pouco ou nada a respeito do autor que, ainda em 2009, dizia já ter vendido mais de um milhão de cópias de seus livros e que pode viver exclusivamente dos direitos autorais recebidos, vale ler a entrevista ao português Diário de Notícias, "Estou a pensar ir-me embora para o Brasil"

Abaixo, uma colagem de trechos selecionados por mim. (espero que isso seja divulgação e não pirataria)

Essa história que vou contar passou-se há vinte anos. Passou-se comigo há vinte anos e muitas vezes pensei nela, sem nunca contar a ninguém, guardando-a para mim, para nós que a vivemos [...] lembro-me exactamente quando foi e que idade tinha: tinha trinta e seis, e lembro-me por isso mesmo, porque foi o ano da minha vida em que me senti mais novo [...] E, se eu era jovem, tu, a meus olhos, eras a própria juventude. Tudo em ti, não apenas os teus absurdos vinte e um anos.

[...] A ideia de começar finalmente a contar esta história a alguém nasceu-me quando procurava uma fotografia qualquer, numa das gavetas onde guardo (nunca percebi bem para quê) centenas de fotografias e slides de memórias [...] E foi assim, abrindo a gaveta à procura de qualquer outra coisa, que, sem aviso, me escorregou para as mãos uma fotografia tua tirada durante aqueles quatro dias. Fiquei a olhar-te longamente, longa, longa, longamente. E longamente me fui dando conta de que tudo aquilo acontecera mesmo.

[...] Muitas vezes me lembro dos nossos diálogos, durante as longas horas daqueles sofridos e gloriosos dias, interminavelmente aos saltos e solavancos dentro do jipe, navegando no vazio, num horizonte despido de qualquer vaidade e presunção. Dias de inocência, de iniciação, de descoberta, pelo deserto do Sahara adentro.

Então, com o passar dos anos, fui pensando que um dia teria de contar esta história. Não a história de como atravessamos o deserto e voltamos, mas a história de como conseguimos chegar ao deserto. Por isso escrevo esta história. Porque sinto a sua falta, muitas vezes. E porque gostaria de lhe perguntar se ela se lembra como eu me lembro, mas sei que sim. Sei que ela se lembra. Sei que foi feliz então, como eu fui, mas deve achar que eu me esqueci, que me fechei no meu silêncio, que me zanguei com seu último desaparecimento. Não é verdade.

[...] _ E por que é que ficam calados depois?

_ Porque já não têm mais nada de importante para dizer.

E fiquei a pensar [nos] sahraoui que, como não têm nada, absolutamente nada, poupam tudo. Poupam a água, a comida, poupam as energias viajando de noite para evitar o calor [do deserto]. Até poupam nas palavras.

_ Mas tu não poupas as palavras: tu escreves. Todas as noites gastas uma hora a escrever um diário nesse teu caderno...

_ Escrever não é falar.

_ Não? Qual é a diferença?

_ É exactamente o oposto. Escrever é usar as palavras que se guardaram: se tu falares de mais, já não escreves, porque não te resta nada para dizer.

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