sábado, novembro 19, 2011

Mal adaptado à falta de inspiração


Desde que, há cerca de 15 anos, assisti a uma peça do então ainda homem de teatro Cacá Rosset, no teatro da Fiesp, em São Paulo, tornei-me desconfiado em relação à obras teatrais ou cinematográficas "adaptadas" ou "livremente inspiradas".

Não consigo lembrar qual era a peça (O Avarento, de Moliére? Sonhos de Uma Noite de Verão, de Shakespeare?), mas não esqueço da desagradável sensação de ter sido enganado. Era como comprar catupiry e receber um requeijão genérico, de segunda; não ter visto à Legião Urbana e ter que se contentar com um show da Catedral ou, sem dinheiro para contratar a Beyoncé para uma exibição particular, levar pra casa a Gabi Amarantos (a "Beyoncé do Pará").

A sucessão de palavrões e piadinhas "livremente" inseridas no texto que resistiu ao longo de séculos despertando o interesse e a admiração de sucessivas gerações me parecia evidenciar a superficialidade de nosso tempo. Então era necessário "adaptar" os clássicos a fim de torná-los palatáveis à plateia? E essa adaptação significava contar umas piadas fora do contexto original, falar uns palavrões, vestir as personagens com um figurino moderninho ou, no cinema, adotar uma edição de video-clip?

Não que não haja adaptações bem-feitas. Há as que são respeitosas em relação à obra original. E quando digo respeitosa não quero dizer que sejam fiéis. Pelo contrário. Em algumas, só com esforço é possível identificar traços das que lhes deram origem. Só que, quando alertados, localizamos os principais aspectos, ou seja, a essência, aquilo que faz da obra original algo digno da admiração de todos, principalmente daqueles mesmos que se propõem a, à partir dela, criar algo totalmente novo ou a buscar uma nova forma de contar o que já foi exibido milhares de vezes sem que suas possibilidades se esgotassem. A não ser quando a motivação para a adaptação não passa de preguiça (para dizer o mínimo).

Esta semana, dois episódios me fizeram reviver a mesma sensação de inadequação, levando-me a refletir sobre o assunto (para algo então eles serviram).

No teatro, ocorreu, infelizmente, durante o mais recente espetáculo de Denise Stoklos, Preferiria Não?, baseado no texto Bartleby, O Escriturário, do norte-americano Hermam Melville (autor de Moby Dick). Digo infelizmente primeiro porque é quase injusto comparar a proposta de Denise Stoklos à de Cacá Rosset (mas fazer o quê se o resultado das peças, para mim, foi quase o mesmo?). Há anos a defensora do "teatro essencial" vem sendo bem-sucedida em fundir a dramaturgia a sua própria experiência biográfica, a exemplo dos espetáculos Vozes Dissonantes e Desobediência Civil (este último, um dos melhores a que já assisti).

Neste mais recente, contudo, a coisa não funciona. Ou, ao menos, não funcionou na apresentação da última quinta-feira (17), no Sesc Santos. Embora a própria atriz/diretora/coreógrafa/dramaturga sustente no folder da peça de que não há, no espetáculo, "simples cacos (invencionices teatrais que apareçam aqui e ali com a simples e fortuita intenção de distrair)" deixei o teatro com a sensação contrária. Não entendi no que fazer piada com o ministro do Trabalho Carlos Lupi, com Palloci ou colocar o escriturário Bartleby na condição de motoboy contribuíram para o texto de Melville.

Em segundo lugar, digo infelizmente porque Denise Stoklos é tão boa atriz que é capaz de prender a atenção da plateia mesmo o texto não funcionando. Além do domínio técnico pleno, ela parece estar sempre possuída por uma verdade, de tal forma que nos ilude, nos envolve, quase não nos deixando dar-nos conta de que nada de mais aconteceu no palco durante a mais de hora em que acompanhamos sua tentativa de fazer Bartleby e ela própria se confundirem. Mas o engodo é fácil de desmontar. Basta, passada a surpresa do truque, se perguntar sobre o que era a história. Enquanto me lembro de Vozes e Desobediência anos após assistí-las, já na manhã seguinte eu não sabia explicar as idas e vindas de Preferiria Não?. Estou até agora tentando sacar o que afinal de contas Denise queria dizer com a história que dissesse respeito a nós (com certeza ela não me instigou a sair de casa para vê-la reclamar dos editais com que são selecionados os artistas que receberão recursos das leis de incentivo fiscal). Ainda que tudo estivesse muito bem costurado.

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Ah, o outro episódio? Dez minutos dentro da sala de cinema onde se exibia o novo Os Três Mosqueteiros, com Orlando Bloom e a bela Milla Jovovich. Sim. Dez minutos foi tudo que eu suportei desta constrangedora adaptação da bela história escrita no século XIX por Alexandre Dumas e agora transformada em um misto de Piratas do Caribe com Resident Evil (razão, talvez, para a escolha de Bloom e de Milla, protagonistas dos dois). E o engraçado é que a menção aos Três Mosqueteiros é uma mera fórmula preguiçosa do estúdio de obter uma chancela para a porcaria do filme. Porque se trocasse o nome das personagens e substituísse algumas cenas, poderia muito bem anunciar uma nova obra descartável, tamanha a distância entre as duas. Ou pelo menos entre a história original e os dez minutos iniciais que eu aguentei antes de sair e pedir para o lanterninha me deixar entrar em qualquer outra sala, mesmo que o filme, qualquer que fosse ele, já tivesse começado. (Acabei assistindo a Reféns, com Nicolas Cage e Nicole Kidman. Fraco, mas diante do que eu havia deixado para trás, pode-se dizer que é uma obra-prima) 

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