sexta-feira, julho 01, 2011

Audiodescrição


Nova regra para TV digital com adaptações para os deficientes visuais entra em vigor sem beneficiar a todos
O filme começa. A imagem de um casal entrando de mãos dadas e em silêncio em um hotel preenche a tela. A ação se desenrola sem qualquer diálogo ou descrição sonora e, por isso mesmo, milhões de brasileiros com algum tipo de deficiência visual não podem acompanhá-la, embora ela seja fundamental para a compreensão da história

É justamente para suprir essa lacuna que impede que parte da população acompanhe e entenda um filme, telenovela e quase todos os programas televisivos que, a partir de hoje (1º), as emissoras de TV já licenciadas para transmitir com o sinal digital estão obrigadas a exibir pelo menos duas horas semanais de produções adaptadas para o público com alguma deficiência visual ou intelectual.

A narração descrevendo os sons, elementos visuais e quaisquer informações necessárias para que um deficiente visual consiga compreender o que se passa na tela tem que estar disponível por meio da função SAP (do inglês Programa Secundário de Áudio). Além da audiodescrição, programas transmitidos em outros idiomas, como filmes estrangeiros, terão que ser integralmente adaptados, com a dublagem das conversas ou da voz do narrador. As legendas ocultas, que já são usadas para permitir que deficientes auditivos acompanhem os programas, continuarão sendo obrigatórias.
 
A primeira data para que a exigencia entrasse em vigor havia sido estipulada em uma portaria publicada pelo Ministério das Comunicações, ainda em 2006. O prazo, no entanto, foi prorrogado duas vezes pelo próprio ministério para que as empresas se adaptassem. Diante da pressão das emissoras, a Portaria Ministerial n° 188, de março de 2010, não apenas estendeu os prazos anteriormente fixados na Portaria n° 310, de junho de 2006, como reduziu a carga mínima de programas audiodescritos que as tvs terão que transmitir. Pelo texto de 2006, a esta altura, os programas audiodescritos ja deveriam totalizar oito horas diárias, ao inves das duas horas semanais estipuladas na última portaria.

Alem disso, a propria diretora do Departamento de Acompanhamento e Avaliação de Serviços de Comunicação Eletrônica do ministério, Patrícia Brito de Ávila, reconhece que, neste primeiro momento, nem toda a população será beneficiada pela medida, já que o sinal digital ainda não está disponível em todas as cidades brasileiras.

“Infelizmente, as emissoras têm prazo até 2016 para migrar para a tecnologia digital. Então, por enquanto, só vai ser atendido quem já recebe em sua cidade o sinal de TV digital", afirmou Patrícia à Agência Brasil, alegando que foi justamente a falta de condições tecnológicas por parte das emissoras que levou o ministério a prorrogar os prazos anteriores.

Segundo a professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Lívia Maria Motta, uma das organizadoras do primeiro livro brasileiro sobre o tema (Audiodescrição: Transformando Imagens em Palavras, disponível gratuitamente no site www.vercompalavras.com.br), o recurso já é comum em vários países, onde, alem de programas de tv, tambem e utilizado em espetáculos teatrais, cinemas, óperas, exposições e em eventos esportivos como as duas últimas Copas do Mundo de Futebol. No Brasil, um bom exemplo é o festival bienal de filmes sobre deficiência Assim Vivemos, que, desde 2003, só exibe produções que contem com o recurso adicional.

Pela portaria atualmente em vigor, o prazo de 12 meses para que as empresas ainda não licenciadas para transmitir com tecnologia digital passem a apresentar os programas adaptados só começa a ser contado a partir da expedição da nova licença de transmissão.

“Temos uma demanda grande das associações que representam pessoas com deficiência para que os prazos sejam cumpridos”, justificou-se Patrícia, “mas o ministério, como regulador, tem que conciliar a demanda dessas organizações que pedem que a exigência mínima [do tempo de programas adaptados] seja ampliada e os prazos cumpridos, com a das associações de rádio e TV que queriam negociar prazos maiores para que tivessem meios de cumprir a portaria”.

Segundo o diretor de Assuntos Legais da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Rodolfo Machado Moura, apesar de ainda terem muitas dúvidas sobre o recurso, as empresas de TV vão cumprir o prazo inicial. O problema, para ele, serão as próximas etapas, já que a meta do governo é que, em dez anos, todas as emissoras geradoras e retransmissoras de radiodifusão em sinal digital do Brasil exibam, no mínimo, 20 horas semanais de programas audiodescritos.

“Estamos trabalhando para cumprir o que a legislação determina. Agora, me parece que a portaria ministerial de 2006 foi produzida muito de supetão, sem o devido diálogo e sem os devidos esclarecimentos, pois não é possível, por exemplo, fazer isso [audiodescrição] com alguns tipos de programas”, comentou Moura.

O presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (Conade), Moisés Bauer Luiz, que também preside a Organização Nacional de Cegos do Brasil, assegura que a portaria também não satisfez os movimentos sociais, tendo ficado aquém das expectativas de quem lutava pela aprovação da obrigatoriedade.

“A carga de programação a ser audiodescrita é muito pequena. Não estamos satisfeitos e queremos aumentá-la, mas isso ficará para outro momento. É um absurdo, mas cinco anos após a publicação da portaria original, vamos considerar uma vitória garantir a transmissão de ao menos duas horas semanais", disse Luiz.

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