Jornalismo em tempo (sur)real. A Flip entra em seu terceiro dia e eu ainda na cama, com a cabeça na conferência de abertura, proferida pelo crítico literário Antonio Cândido. Culpa do frio ou da cachaça paratiense?
A verdade é que achei necessário registrar minha cisma com a fala do professor emérito da USP, que é considerado um dos maiores intelectuais do país, embora, em entrevista, tenha se classificado como um homem encalhado no passado cuja vida intelectual está completamente encerrada.
Candidamente (com licença do trocadilho), o autor de Literatura e Sociedade optou por falar de algo que, em suas próprias palavras, somente ele poderia falar já que é um dos únicos "sobreviventes" a ter convivido com o homenageado deste ano, o autor modernista Oswald de Andrade (1890-1954). E deu seu testemunho pessoal sobre o escritor.
Bem ao sabor da Flip (cujo nome, é sempre bom frisar, é festa), Candido adotou um tom informal, relembrando inúmeros casos envolvendo Oswald.Como as brigas e discussões por razões políticas, literárias e, às vezes, bem mais mundanas. Como a que teve com o autor de Macunaíma, Mário de Andrade, classificada pelo crítico como patética já que ambos jamais voltaram a se falar, apesar das tentativas de reconciliação de Oswald.
Acostumado à audiência dos estudantes universitários, Candido soube como prender a atenção do público, evitando dissecar a obra de Oswald para, assim, sustentar sua avaliação de que, apesar de irregular, o modernista era um gênio. Chegou a arrancar risos dos presentes por diversas vezes. De forma que, no geral, a conferência foi muito boa. Então, por que escrevi estar cismado?
Porque me pareceu contraditório que o próprio Candido afirme que a "mitologia" em torno da vida de Oswald tenha retardado a justa avaliação de sua obra, que alguns destes mal-entendidos persistam até hoje e, ao mesmo tempo, tenha optado por não se aprofundar na análise dos textos do autor. Se o tivesse feito, Candido talvez tivesse desestimulado muitos dos presentes à conferência, mas, com certeza, teria brindado à outra parcela com algo único.
Classificando Oswald como um "grande agitador cultural" e um "mestre do jornalismo dada a percepção rápida, a expressão sintética e a capacidade de criar imagens fulgurantes", valores almejados e pouca vezes alcançados atualmente, Candido pintou o seguinte retrato de seu amigo, com quem teve mais de uma briga e com quem sempre se reconciliou por iniciativa do próprio Oswald.
"Era um homem suscetível, que podia facilmente se tornar injusto e se enfurecer e que, embora pudesse ser cruel em suas críticas, não guardava mágoas ou rancor ", "era também de um brilho verbal conciso e bem-humorado que nenhum de seus leitores [que não o tenha conhecido pessoalmente] pode imaginar".
Além do mais, Cândido defende que dois traços distinguiam a personalidade de Oswald: o inconformismo e o humor: "Ele tinha em si o fermento do legítimo anarquismo e sempre alimentou um inconformismo em relação à desigualdade social e à sociedade burguesa". "E foi um homem que soube usar a arma do riso, o grande instrumento dos modernistas brasileiros que foram capazes de demonstrar que a alta literatura não é incompatível com a alegria e com o riso".
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