Dar conta de tudo o que acontece em Paraty durante os cinco dias de Flip é impossível. Além da programação oficial - que abarca, além de quatro a cinco debates diários na tenda principal, a Flipinha (para as crianças) e a FlipZona -, há eventos e mais eventos realizados por diferentes entidades públicas e privadas. E os artistas de rua que apinham a cidade, cordelistas, coletivos de poetas, trupes de teatro, hippies e beatniks tardios... Você sai de uma mesa pensando em ir tomar um banho e trocar de roupa e, de repente, está assistindo a uma apresentação musical, um filme, outro bate-papo ou simplesmente papeando com uma desconhecida.
Este ano, por exemplo, as casas do jornal Folha de S.Paulo, do Instituto Moreira Sales e das editoras Penguin e Record tem sido parada obrigatória, com uma programação diversificada que vai de exposição de fotos à pocket-shows. A primeira, por exemplo, na quinta-feira de manhã, não comportou o público que queria ver o cartunista Laerte falar sobre a prática do cross-dressing e a sexualidade.
Vestido de mulher, com aspecto de tia de Pindamonhangaba que vive no Bixiga, o autor das ácidas tiras Piratas do Tietê, entre outras, surpreendeu a todos quando, há pouco tempo, surgiu em público maquiado e usando peças femininas. Em Paraty, ele falou sobre a importância dos gays não cairem na armadilha de se fecharem em guetos, se mostrarem às claras, exigirem respeito e "peitarem seus adversários": "O horror a transgredir certas convenções e perder seu emprego ou o amor da família é muito grande no Brasil", disse o cartunista, explicando que sua decisão foi bem aceita tanto por seus filhos, que já sabiam de sua bissexualidade, quanto por seus pais, "que são do caralho!". "Você tem que sair das trincheiras e lamber o pescoço. Tipo: Senta aqui, Bolsonaro!".
Para Laerte, a melhor forma, hoje, de combater a homofobia é dar aos crimes contra homossexuais o mesmo tratamento que o dado em casos de agressão contra negros. Mesmo nunca tendo sido alvo de violência ou virulentas manifestações homofóbicas, o cartunista sabe que o processo de aceitação das diferenças não é fácil. "Passei muito tempo escondendo de mim mesmo minha condição. Eu mesmo, quando jovem, pratiquei bullying contra gays. Costumava hostilizar um primo meu que dizia 'Ave!' no lugar de 'porra'!", revelou.
Questionado se o projeto de lei que tramita no Congresso não fere o direito de expressão de quem discorde das práticas homossexuais, Laerte foi taxativo: "Acho que não é possível discordar da homossexualidade em si porque, como a heterossexualidade, ela é manifestação da sexualidade humana que, em si, não pode ser criticada. A pessoa pode se privar de [exercer] sua sexualidade, mas não condená-la por si só como em épocas passadas. Concordo que o texto original era dúbio, mas assim como foi necessário criar uma lei anti-racismo, também é necessária uma para proteger os homossexuais".
Bem-humorado, Laerte defendeu o caráter festivo da Parada do Orgulho Gay, associando-a positivamente ao Carnaval não apenas como alegoria, mas sim como um momento de extravazamento cuja liberdade muitos desejariam que se tornasse cotidiana.
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