Deu pra sentir o desconforto de parte do público que não deixou o Teatro da Caixa durante a representação de Anatomia Frozen, da companhia paulista Razões Inversas, ontem (29) a noite. Reação que, imagino, os atores Joca Andreazza e Paulo Marcello e o diretor Márcio Aurélio já deviam estar esperando. Afinal, devem ter previsto isso ao decidir encenar o texto da dramaturga inglesa Bryony Lavery. Uma peça, diga-se, indigesta para quem estiver apenas à procura de diversão e amenidades.
No texto original, Fronzen, Lavery se debruça sobre o encontro da mãe de uma menina cujo corpo é encontrado 20 anos após ela ter sido vista pela última vez com o assassino da garota, um pedófilo e assassino em série preso e condenado à prisão perpétua. O ressentimento, a dor da perda, o desejo de vingança e a frieza do criminoso são pontuadas pelas intervenções de uma psiquiatra que se dedica a compreender a mente e o método dos sociopatas, personagem responsável por, em alguns momentos, levar a atenção do público a se dispersar.
Ao transpor a ação para os palcos, a trupe decidiu inverter a ordem temporal do texto original, mas, assim como a dramaturga inglesa, também apostou na ousadia de contrapor os pontos-de-vista clínico, criminoso e de uma vítima da violência. Com isso, penetraram em um desagradável e controverso terreno. Principalmente porque, ao contrário da médica e da mãe da garota morta, multifacetadas, retratam o assassino quase que como uma vítima de sua condição, incapaz de distinguir o certo do errado - como que endossando a tese defendida pela personagem psiquiatra. E se o tema pedifilia já é em si um grande tabu, que dirá ousar apresentar qualquer justificativa para quem o pratica.
Encenada já a dois anos, Anatomia Frozen deu à companhia teatral os prêmios Funarte - Myriam Muniz e da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), dentre outros. E, de fato, os atores Paulo Marcello (nos papéis de psiquiatra e, principalmente da mãe da vítima) e Joca Andreazza (o assassino preso) estão muito bem e a direção é eficaz. Contudo, esta não é, definitivamente, o tipo de peça a que você levaria alguém com quem estivesse saindo pela primeira vez ou indicaria para alguém não muito chegado a teatro porque corre o risco deles se aborrecerem. Ou não, se acharem oportuna a discussão proposta pelo grupo.
A companhia volta a apresentar a peça esta noite, as 20 horas, no Teatro da Caixa, em Brasília (preço, R$ 10 a meia-entrada). E amanhã, as 19 horas, encena um de seus mais premiados trabalho, Agreste, uma fábula sobre o amor entre dois lavradores que fogem da seca que castiga o sertão.
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