sexta-feira, julho 08, 2011

Confusão Selvagem


O sol do meio-dia incide perpendicular sobre a Tenda dos Autores. Tocam os sinos da Igreja da Matriz no exato momento em que o burburinho do público cresce. Surge então a escritora-musa da vez, a argentina Pola Oloixarac (ano passado era a cubana Wendy Guerra), cujo livro, As Teorias Selvagens (Ed. Benvirá, 238 pág), eu talvez esqueça no hotel para não carregar peso desnecessário. Mesmo só tendo lido, com muito esforço, menos da metade dele.

"Escrevo porque me divirto fazendo-o. E elaboro meus personagens como alguém com quem eu gostaria de estar", diz Pola, respondendo logo de cara à mórbida curiosidade que me atraiu, hoje, para a sexta mesa da 9ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Ao conhecer Pabst e a jovem Kamtchowsky, duas das personagens do livro, fiquei intrigado. Perguntava-me se o estilo (a forma) da autora seria um recurso, uma forma de ironizar (o conteúdo) uma parcela de jovens pedantes e socialmente desajustados ou se ela, simplesmente, pensa de forma tão truncada.

A resposta? "Escreve claro quem pensa claro", já disse alguém que não me lembro quem. A fala de Pola é tão ou mais confusa do que seu texto. Ao que parece, a isso, em Paraty, se dá o nome de experimentalismo. "A tradição literária argentina é a tradição das idéias e, por isso, é muito aberta à experimentação. Trata-se de fazer algo a que a filosofia só não basta", tentou explicar a portenha, sugerindo que diferenças culturais talvez estejam me impedindo de desfrutar de seu primeiro (e até agora único) livro. Se é isso, porque ela não sente em relação ao Brasil o mesmo que eu pelo seu livro?
"Nós, argentinos, temos uma idealização a respeito do Brasil, como se este fosse um lugar de fantasia capaz de condensar a ideia de felicidade. Adoramos a amabilidade brasileira, apesar da rivalidade entre nossos homens", comentou Pola.

Mas, além de bonita, a moça é tão simpática e se portou tão amavelmente com o português valter hugo mãe (até agora, ponto alto do evento) que quase me fez esquecer que seu "experimentalismo" de unir ficção e ensaio é entediante. E que nem mesmo as referências pop inseridas por meio das personagens tornam seu texto menos árido. Isso para não falar no emprego de uma sexualidade ginecológica e deserotizada que nem choca, nem envolve.

"Kamtchowsky preferia não admitir, mas estava obcecada pelos sodomitas. Custava não ficar imbecilizada sobre a beira do muro humano, olhando-os imóvel enquanto dançavam. Não invejava sua alegria, seu êxito momentâneo como raça, as camisetinhas; perguntava-se como era possível que conseguissem semelhante dilatação de forma a centrar o eixo de sua vida sexual no rasgar-se o ânus. Apesar de que o ânus tinha seu lugar na sombra sob a categoria músculo, não compreendia a razão da frequência com que alguém podia sair correndo por Palermo [bairro de Buenos Aires], digamos, e se deixar dar oito voltas por dia. Pabst se ofereceu gentilmente para romper seu cu, assim deixava de dar voltas ao assunto.

_ Não quero fazer isso. Acho que gosto muito de pensar nisso. Prefiro deixá-lo como esse lugar puro onde não se pode chegar.

Assim, encontrando uma nova localização para o país do Nunca Jamais nos confins de sua bunda, se abraçaram e dormiram juntos até o amanhecer".
E segue por aí o livro que o escritor argentino Ricardo Piglia classificou como "um romance inesquecível, filosófico, selvagem e muito sereno", com Pola, "uma das melhores narradoras jovens em espanhol", de acordo com a revista britânica Granta, aparentemente procurando dificultar ao leitor a fruição simples, o mero gozo, de uma boa prosa. Há, evidente, boas passagens, alguns trechos divertidos, mas, no geral, a impressão que se tem é de se estar lendo uma bula de remédio.

2 comentários:

Maria disse...

Puxa vida! Finalmente! Tremendo alívio ao ler este post. Saí da mesa citada com uma grande interrogação: sou uma "anta", ela tá "tirando uma com a cara da galera", ou ela é absolutamente incapaz de se expressar com clareza e alguma simplicidade? A cara de sofrimento daqueles que estavam ao meu redor enquanto ela falava me dava alguma esperança em relação às minhas capacidades intelectuais. Mas, surpresa surpresa, ao abrir as páginas de artigos comentando o debate: uma enxurrada de elogios por parte de críticos e jornalistas. De fato, ela é linda. Concordo que é, também, amável e educada. Mas, a sensação é que seus personagens são uma paródia de si mesma, e que a suposta crítica às figuras que pululam no meio acadêmico é resultado da mais pura projeção. Enfim, achei tudo muito chato, confuso e, "duvideodó" que os jornalistas que andam publicando elogios por aí tenham entendido mais que meia dúzia das frases ditas por ela. Mas, é a velha história... são poucos os que ousam dizer que o rei está nu.

Semifosco disse...

Pô, Maria, "finalmente" soou como um grandiosissimo elogio. Obrigado. Agora, como você chegou a este blog? Nos conhecemos?