quinta-feira, setembro 28, 2006

sexta-feira, 8 de setembro de 2006


CONTROVÉRSIAS DE UM COTIDIANO
De volta a Santos. Há um mês eu chegava à Costa Verde (litoral norte de SP e parte do litoral sul-fluminense), vindo da Costa Rica. Hoje, ao chegar a cidade onde nasci e vivi toda minha vida, Santos, me surpreendo ao constatar que, numa estratégia de marketing visando "reposicionar a marca", esta parte do litoral paulista passará a ser estrategicamente chamada como Costa da Mata Atlântica. Coisa de publicitário, com o apoio do principal jornal local.
Porém, longe destas baboseiras, a boa surpresa neste dia da Independência foi assistir, na Oficina Regional Cultural Pagú - Cadeia Velha, ao espetáculo teatral As Controvérsias de um Cotidiano, encenado pela Cia. Teatral Cortição.
A companhia é formada por jovens 'encortiçados', a maioria deles integrantes ativos da Associação Cortiços do Centro (ACC), cujo processo de mobilização popular injetou auto-estima e ânimo novo em parte da comunidade local. A exemplo do que aconteceu com os garotos e garotas que, mirando o exemplo da atual diretoria, sobretudo de sua presidente, a cabeleireira Samara Margareth Conceição Faustino, organizaram o grupo de jovens a que chamam de Djow-Djows. Artisticamente, a participação de alguns deles no filme Querô (que deve ser lançado até o fim deste ano) foi o estímulo que faltava para que assumissem a vontade de atuar e de levar aos palcos uma reflexão sobre as dificuldades, os anseios e os sonhos dos menos favorecidos.
Com as dificuldades de quem tem de ajudar na subsistência familiar somadas às de outros grupos que dão os primeiros passos nas Artes - falta de espaço para ensaiar, necessidade de superar as carências técnicas com criatividade, etc. - ensaiaram por apenas quatro meses antes de se aventurarem a apresentar ao público os primeiros resultados de seu trabalho.
De forma leve e irônica, mas sem abdicar da crítica social, a peça As Controvérsias de Um Cotidiano trata das históricas mazelas sociais que nos condenam ao atraso e ao sub-desenvolvimento, procurando trazer à baila o ponto-de-vista de quem mais conhece os efeitos desses problemas. Com personagens que vão de prostitutas e traficantes até beatas e policiais corruptos, a peça diverte e, em seus melhores momentos, faz refletir.
Estéticamente, não é o tipo de proposta teatral de que gosto. Sobretudo, me pareceu que falta ao grupo aprimorar o texto, discutir melhor e mais profundamente qual é exatamente a mensagem que querem transmitir e buscar um equilíbrio entre a diversão e a reflexão.
Conheço bem parte do grupo e não seria difícil para mim aconselhá-los a ler e estudar mais, a discutirem à exaustão o que querem levar aos palcos e a buscarem referências e conhecer modelos artísticos que contribuam para lapidar o talento natural que demonstram. Talento este que, apesar das deficiências técnicas, cativa o público. Porque o mais importante que pude constatar foi que a platéia, principalmente os mais jovens, pareceu se divertir bastante. E que o próprio grupo transpira um prazer sincero de estar no palco.
Da mesma forma como presenciei, há doze anos, amigos descubrindo a magia do teatro - amigos que hoje vivem desta arte - vi o encantamento no olhar destes jovens. Torço para que eles realmente se comprometam com o fazer artístico. Mas, sobretudo, que mantenham o compromisso com sua comunidade. E que, da mesma forma como o também santista Plínio Marcos, cuja dramaturgia deu voz aos desvalidos que viviam de pequenos biscates neste cenário portuário que os Djow-djows conhecem bem, possam contribuir para dar voz a outros 'encortiçados'. A responsabilidade é grande.

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